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Contornos da Dramaturgia

Nós somos os adormecidos de Walt Whitman, os que se levantam à passagem do vento, os que não se deixam vencer. Como os leões que se fingem de cordeiros, como as formigas que atuam em grupo, somos os que transportam o mundo, a natureza, as coisas vivas que dão alma ao universo. Somos todos e um, somos os que vão acordar para estar presentes no dia de amanhã. Levamos connosco o sangue de uma espécie de guerreiros, gostamos de estar adormecidos porque gostamos de acordar, trazer dos sonhos o melhor da humanidade.

“Errante e confuso, perdido em mim mesmo, pouco feliz, contraditório,
Vacilo, olho fixamente, curvo-me e paro”.

A poesia não é uma ciência, nem tem moral, como referia Baudelaire, contemporâneo de Whitman, sob pena de morrer. A poesia é a poesia, ponto final. Podemos adormecer com ela dentro, levá-la para a morte, porque a morte não tem ciência, nem moral. A morte é a morte, ponto final. A morte é o fim. Não tem pensamento, nem retorno. Assim a poesia.

Somos os que saudamos o poeta como o fez Álvaro de Campos na sua Saudação a Walt Whitman: “Saúdo-te Walt, saúdo-te meu irmão (…) de mãos dadas dançando o universo na alma”. Fernando Pessoa que considerou o poeta de Os Adormecidos como “o cantor concreto do absoluto, moderno e eterno”, autor para quem cada erva, cada pedra, cada homem é o universo.

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No prefácio à edição portuguesa de Folhas de Erva (tradução de Maria de Lourdes Guimarães, 2002), o poeta e ensaísta Fernando Guimarães escreve que Whitman (1819-1892) tem uma visão complexa que une o “eu pessoal ao eu universal” e que essa visão do mundo é uma visão poética, uma visão unificadora e estruturante de alguém que assumiu a poesia como um destino e ao mesmo tempo como um universo.

“A alma é sempre bela,
O universo está bem ordenado, cada coisa tem o seu lugar, (…)
Os adormecidos são muito belos, deitados e nus, (…)
De manhã ajudo a apanhar os mortos e a colocá-los em fila num celeiro”.

Contemporâneo de Kafka, Mallarmé, Melville, António Nobre, Poe ou Dostoievsky, a obra de Whitman abrange uma imensidão de temas como o amor, a natureza, o sexo, a morte, a camaradagem, Deus, bem como o progresso e a democracia, temas que fazem parte de um núcleo de pensamento global sintetizado em três palavras: Eu, Nação, Universo. Para dar esse olhar humanizado face ao mundo, enquanto poesia, dirige-se, antes de mais, à força dos sonhos.

“Sonho no meu sonho todos os sonhos dos outros que sonham,
E transformo-me nos outros que sonham”.

Os-Adormecidos_Walt-Whitman_Cena_2

É nesse lugar impalpável das profundezas da emoção humana que o poeta descobre o espírito, se confronta com o caos e a confusão da mente e destapa os factos que sublinham o sofrimento e a morte. Mergulharmos nos sonhos, entrando na noite, para nos aproveitarmos dessa liberdade de sonhar e para que, nessa visão adormecida, possamos confrontar o horror que o “eu” acordado não conseguiria olhar de frente.

“Agora penetro na escuridão, novos seres aparecem,
A terra recua diante de mim na noite,
Vi o que era belo e vejo que aquilo que não é terra é também belo”.

O próprio poeta diz ao que vem: Propus-me representar sem qualquer desânimo a humanidade tal como ela é. Pretendi compor um conjunto de poemas que respondessem à natureza física, emocional, moral, intelectual e espiritual de um homem. A título de exemplo, este homem sou eu mesmo.

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Autor da modernidade, precursor do verso livre, muito colado ao ritmo da fala, poeta, editor, jornalista, tipógrafo, voluntário em hospitais na Guerra Civil Americana, funcionário, muitas vezes censurado e considerado indecente, Walt Whitman possui um discurso poético estranho e assombroso, com um fluxo de imagens avassalador, que vai às profundezas da psique, à representação da realidade e do humano, por vezes de uma forma excêntrica, o que levou alguns críticos e ensaístas a considerar Os Adormecidos como único poema surrealista do século XIX.

“Sou o actor, a actriz, o votante, o político,
O emigrante e o exilado, o criminoso que estava no banco dos réus,
Aquele que tem sido famoso e o que será amanhã,
O que gagueja, a pessoa bem constituída, a pessoa destruída e debilitada.”

Whitman é o poeta da sua geração que mais elevou a condição do homem moderno, celebrou a natureza humana e a vida fazendo-as sair da modorra dos dias, cortou com as convenções, identificou-se com a evolução da democracia americana, lutou por um ideal panteísta o que permitiu ao “eu” de cada um de nós uma dimensão cósmica, por vezes visionária, incompreendida no seu século, mas solidamente projetada no futuro.

Jaime Rocha

Fotografias de cena ©Tânia Cadima

Ficha Artística e Técnica

Texto

Walt Whitman

Tradução

Maria de Lourdes Guimarães (Relógio D’Água Editores)

Encenação e Dramaturgia

Mário Trigo com Jaime Rocha


Interpretação

Catarina Rodrigues

Nisa Eliziário

Espaço Cénico e Figurinos

HIPÉRION Projeto Teatral

Sonoplastia

Carlos Santos

Direção Técnica

ShowVentura

Design Gráfico e Fotografia

Tânia Cadima


Gestão de Apoios

Joana Ferreira

Criação e produção

HIPÉRION Projeto Teatral

Fotografias de ensaio ©Tânia Cadima

Apresentações

11 a 14 e 18 a 21 de maio 2023

no Centro Cultural da Malaposta, Odivelas

27 de maio 2023

n´ A Bruxa Teatro, Évora

1, 2 e 3 de junho 2023

na Casa de Teatro de Sintra (Chão de Oliva)

Apoio Financeiro à Criação
Fundação GDA

Apoio à Residência
Centro Cultural da Malaposta
Minutos Redondos
Câmara Municipal de Odivelas


Colaboração
Casa Jaime Rocha
OS_ADORMECIDOS_Cartaz
Flyer ©Tânia Cadima
Teaser ©Tânia Cadima
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